2016-03-02

No espaço ninguém te vai ouvir gritar. Sim, mas...

No espaço ninguém te vai ouvir gritar. Sim, está razoavelmente certo, mas não se conclua daí que o som não se propaga no espaço.

Rebobinemos um pouco o tempo. Na primeira vez que vi a experiência andaria aí pelo meu 8o ano de escolaridade.

Numa aula de física. Um despertador a tocar dentro uma campânula. Liga-se a bomba de vácuo, tira-se o ar de dentro da campânula e catrapuz, deixa de se ouvir o despertador. O som não se propaga no vácuo e portanto não se propaga na espaço que é essencialmente vácuo.

(o que eu não sabia, e provavelmente o prof. também não, é que o vácuo usado era um vácuo de treta, que o vácuo de qualidade é caro, mas podemos esquecer esse ponto por irrelevante para o assunto, aliás all in all até tive sorte de ter acesso a material de qualidade para a época).

Mas proponho uma outra experiência. Duas pessoas a falar por um telefone de cordel. O som propaga-se pelo cordel. Por um sólido. Corta-se o fio. Se as pessoas estiverem razoavelmente afastadas e não falarem muito alto deixam de se ouvir. Portanto, conclusão, som não se propaga no ar (e provavelmente não se propaga nos gases). Errado, claro.

Mas voltemos à vaca fria, isto é ao espaço. Talvez neste ponto seja melhor disser com um pouco mais de precisão a que espaço nos referimos. Para não complicar muito mais vou limitar-me ao espaço interplanetário, do tipo que encontramos tipicamente entre a Terra e Marte quanto, de meses a meses, um passa o outro nas respectivas órbitas e se encontram relativamente próximos.

(podíamos falar do espaço interestelar, do espaço intergaláctico, mas não iria acabar isto hoje)

O espaço interplanetário é algo heterogéneo, mas o que vai ser dito a seguir aplica-se em qualquer ponto. O espaço interplanetário não é completamente desprovido de matéria. Aqui e além existe uma partícula. Não muito diferente ao fim e ao cabo de toda a matéria, seja sólida o líquida ou gasosa que toda a matéria é essencialmente vazio (excepto em estados muito degenerados).

O som propaga-se bem no espaço interplanetário. Só para dar uma ideia estima-se ao nos aproximar-mos da  heliopausa (não interessa muito, mas é bem para lá de Plutão) a velocidade do som anda pelo 100 km/s. Para evitar a suspeita de gralha escrevo de outra maneira. Nesse local remoto o som propaga-se 300 vezes mais depressa do que um avião a passar a barreira do som sobre as nossas cabeças.

Esses 100 km/s são certamente uma aproximação grosseira, aliás o valor provavelmente varia com o local, mas é um número fácil para saber de cor e dá uma ideia. Eu gosto, desde que li a primeira vez não esqueci.

Mas como é que sabe isso e, mais, como podemos verificar isso em laboratório?

É laboratório é difícil. É como mostrar que a massa e a o peso são coisas diferentes. Um gravímetro de prospecção geofísica detecta variações de peso se elevarmos 10 cm uma dada massa. Uma máquina impressionante, Isto, claro, se se compensar a posição do Sol e da Lua que não param um minuto quietos na Esfera Celeste. E a variação térmica. Mas para se acreditar nesses cálculos todos a questão da diferença entre massa e peso já ficou muito para trás. Com o som no espaço é a mesma coisa.

Sabemos porque dominamos bem a mecânica dos meios contínuos. Percebemos bem o que é o som, e como ele se relaciona com a pressão a temperatura e a densidade (que se relacionam entre si). Depois é só fazer as contas (pista: não tem nada a ver com o PIB). É a mesma mecânica que explica as ondas sísmicas P e S (e muitas outras) exactamente como os sismómetros "depois" as registam (o som são ondas P).

Note-se que ao atacar o assunto sob a perspectiva da mecânica se dissocia o termo "som" do seu significado original, que é "o que se pode ouvir". É análogo ao que se passa quando consideramos que o raio-x é uma forma de luz, apesar mão se os vermos.

Mas também temos confirmação experimental, se bem que não em laboratório e é à custa de muitos cálculos. Antes de se chegar à heliopausa o vento solar,  a desacelerar (travar) desde que saiu do Sol, baixa de supersónico (acima de 100 km/s, grosso modo) para subsónico. O fenómeno espelha o que se passa em condições similares no laboratório. Se o vento passa de super a subsónico, tem de haver uma velocidade do som.

Mas mais uma vez essa interpretação só é possível se introduzirmos o nosso conhecimento de mecânica dos meios contínuos. Finamente porque uma teoria não se valida. Permanece válida enquanto produzir resultados que adiram bem ao que se vai observando.

https://en.wikipedia.org/wiki/Tin_can_telephone

https://en.wikipedia.org/wiki/Interplanetary_medium

https://en.wikipedia.org/wiki/Heliosphere#Termination_shock


A Apple a defender a privacidade, ou o mundo de pernas para o ar

Andam a ver tudo de pernas para o ar. Acreditem.

Claro que sou a favor de que o governo americano obrigue a Apple a descodificar o tal telemóvel. Não pelas razões que se possam pensar, mas exactamente pelo seu contrário.

SE é possível essa descodificação - e tudo indica que sim - esse processo vai cedo ou mais tarde vai chegar a muitas mãos. Por via judicial, extra-judicial, por espionagem ou por sedução. Vai chegar, muito pode Apple carpir, é um assunto que lhe vai sair das mãos.

A Apple bem pode estar muito viril com o administração Obama, é óbvio, tem aliados de peso e é bom para o negócio, como o é sempre que se consegue baralhar o consumidor. No entanto se, digamos o governo Chinês, em segredo, lhes pedir o mesmo, em troca de uma boa fatia do apetecido, mas muito protegido, mercado nacional não tenho a certeza que se fossem revelar tão amantes da liberdade. É cá um palpite.

E quem diz Apple, diz Microsoft, Google, Facebook e todos os outros.

E falo do governo chinês por razões dramáticas. Muito outros governos (incluindo o americano) têm poderes legais para fazer tal pedido com expressa proibição de divulgação dos factos e "promessa" de julgamento à porta fechada (se bem que os incentivos monetários funcionem geralmente melhor).

Enquanto a privacidade ou a segurança for um privilégio outorgado por uma empresa - ou seja lá pelo que for - não é privacidade nenhuma. Desse modo vai vale deixar de  antes a fazer de conta, a fingir uma segurança que não existe já, e dar a chave ao FBI ou à NSA ao à CNN. Tornaria tudo claro mais cedo e ninguém iria confiar nesses esquemas. Assim muita gente vai continuar convencida que estão protegidos dos vilões deste mundo pela...ROFL...Apple.

E, evidentemente, não tem de ser assim. Existe a possibilidade de encriptar a informação do telemóvel de modo a que a sua leitura só seja possível por uma password unicamente na mão do utilizador. A coisa até foi simplificada graças à tecnologia das chaves assimétricas. Não é fácil de explicar, mas é uma tecnologia bem conhecida (e usada) à uns 30 anos, pelo menos. Se tal tecnologia tivesse sido usada a Apple iria responder simplesmente "o que nos pedem é impossível, qualquer matemático que tenha estudado 2 anos na especialidade pode testemunhar que não se conhece na comunidade técnica e científica algum modo de fazer o que nos pedem".

Lamentavelmente muitos grupos de defesa dos direitos de privacidade não estão a ver bem o quadro completo. Há o impulso de vir à praça pública defender "a privacidade". Mas é um canto de sereia.