2014-11-14

Leiam os meus lábios: É a fixação!

Em resposta a várias interpelações e para não ter de estar a re-escrever mais ou menos a mesma coisa, dou aqui a resposta.

Primeiro tenho de exprimir o óbvio, que não fico nada satisfeito quando sondas europeias, americanas, russas, chinesas, indianas ou outras falham. E sendo a possibilidade de experiências no espaço pequena, mesmo os piores falhanços têm lições e dão muito material de estudo.

Dito isto não fico muito satisfeito quando as necessidades das relações públicas esmagam completamente a produção de informação actualizada e correcta.

Já me bastou quando a URSS enviava sondas (chamavam-se  todas "Cosmos") , não indicavam o objectivo, falhavam completamente a trajectória e o controlo logo à partida. Depois anunciavam que o objectivo era - e sempre tinha sido -  "estudar o espaço interplanetário" e declaravam a missão um sucesso.

Enquanto estou a escrever isto a situação revele-se pior que o que eu tinha antes pensado, mas sejamos irracionalmente optimistas e tenhamos esperança que algumas manobras correctivas possam vir a ter êxito, mesmo que parcial. 

Mas vamos aos detalhes.

A pequena sonda continha a promessa de dar contribuições muito importantes para dois assuntos de extrema importância em ciência, nomeadamente para a compreensão do "ciclo hidrológico"  a nível do sistema solar e da compreensão de como e onde as (primeiras?) moléculas orgânicas se formaram ou se podem ter formado.

No caso do estudo da água era ponto crítico a medição das razões isotópicas que são, como dizer, a "certidão de vida narrativa completa" das substâncias quando em quantidade suficientemente grande para se poder usar estatística (provavelmente uma grama dividida por um milhão é suficiente, se bem que há muitos parâmetros a tomar em conta).

No caso das substâncias orgânicas era importante determinar, bem em primeiro lugar se existiam, e depois quais seriam. As razões isotópicas também têm importância se bem que o caso é mais complicado, bem a vida é uma química muito complicada.

Vamos ao filme.

Quando eu comecei a seguir a manobra de aterragem em directo, faltariam aí uns 15 minutos o início da janela de incerteza em torno da hora de pouso. Adoro ver acontecimentos históricos em directo do conforto do sofá. Isso já vem do tempo da missão apollo na década de 60. (Claro que refiro-me ao tempo "visto da Terra", as escalas de tempo são escorregadias como o caraças). Os meus twets da altura ainda devem poder ser vistos no lado direito deste blog, todos os meus tweets são aqui registados para dar alguma vida ao blog.

Quando fui actualizar nas notícias mais recentes fiquei imediatamente muito preocupado. No lado bom a sonda pequena tinha-se separado correctamente da portadora, MAS havia a informação que os foguetões a bordo da sonda pequena pequena não estavam a funcionar. Ainda agora não sei como eles tinham concluído isso, mas o facto não parecia merecer muita dúvida nem muita atenção.

No entanto deveria ter merecido muita atenção. Era óbvio que essa tornava muito problemática a fixação da sonda ao cometa extremamente problemática. É que a questão não é só acertar com o cometa. A principal dificuldade é fixar de modo sólido a sonda ao cometa. Isso é feito facilmente em corpos celestes maiores porque a gravidade prende as sondas ao chão, mas a gravidade no cometa é ridiculamente pequena (teoricamente a gravidade até ser "negativa" neste tipo de corpos devido ao formato pouco redondo e à velocidade de roatação em torno de um eixo próprio, mas não creio que seja o caso, e aliás se tal acontecer algures no espaço deve ser um caso raro).

Esse tipo de fixação estava previsto mas as foguetões infelizmente avariados eram uma parte crucial do processo. E sem uma boa amarração as experiências críticas não poderiam ser realizadas. Isso era sabido antes do contacto, mas ainda agora isso não é dito de modo muito claro.

Repito: ainda antes do poiso se sabia que as experiências cruciais dificilmente seriam realizadas e ainda agora parece que o facto não é bem esclarecido.

Quando pessoal começou a saltar de contente pela aterragem eu comecei a procurar informação sobre a fixação. Nada. Depois lá disseram qualquer coisa mas o que disseram foi mentira, ou pelo menos a verdade muito muito processada. Não referenciavam quando estavam a falar sobre o que se tinha passado e sobre o que era suposto ter-se passado. E claro, estavam a dar a informação com um atraso que não era compatível com o que deveria ter acontecido com um bom contacto. Falhado o processo da primeira vez ficaria extremamente admirado se conseguissem à segunda ou à terceira.

Aliás tenho a notícia da reuters que garantia que a sonda estava "seguramente ancorada". Não estava, não está e salvo um milagre nunca estará. As principais experiências nunca poderão ser feitas.

Mesmo as experiências de sondagem eléctrica "vertical", uma parte importante, não podem dar resultados interessantes se os contactos não estiverem em firme contacto com o solo (trivia: eu fiz muita sondagem eléctrica vertical). Tal como não podem ser obtidas amostras interessantes sem perfuração (a superfície é alterada e desinfectada pela radiação e vento solar) e a perfuração é impossível sem fixação (conservação dos momentos mecânicos).

E tiveram azar. A sonda depois de, pelo menos, 2 saltos, foi parar a um buraco escuro onde é difícil apanhar a luz do sol necessário para recarregar as baterias e caiu quase de pernas para o ar. 

Aliás suspeito que se está a tentar branquear a questão ao dizer que o azar foi cair à sombra de um penhasco. Isso foi um azar, mas o principal problema é que não está fixado à superfície e provavelmente está num buraco porque a fixação não funcionou quando caiu a primeira vez numa zona mais favorável e foi parar ao buraco.

Foi um fracasso completo? Bem, não foi, eu daria um 20 num escala de 0 a 100. Talvez escreva mais sobre o assunto mas só depois da senhora gorda ter cantado. Agora tenho de ir tomar banho para apanhar a minha boleia para o super-mercado.



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