2015-10-02

O que eu voto 2/3 - Os programas e as ideologias

É um exercício frequente comparar "programas eleitorais", "compromissos eleitorais", "posição dos partidos".

Até há quem dirija cartas aos partidos a pedir-lhes que tomem posição sobre um certo número de questões e publique as respostas recebidas - ou  a falta de resposta.

Esqueçam.

Um partido que resolvesse só prometesse fazer aquilo que estava razoavelmente certo de poder fazer iria partir com um handicap  tremendo. Houve um deputado(?) qualquer do CDS, creio eu, que disse que nenhum partido poderia ganhar as eleições se não mentisse nas campanhas. Grande burburinho de todos os quadrantes. Mas estava cheio de razão (e provavelmente arruinou a sua carreira, provando que estava cheio de carradas de razão).

Depois terão sempre uma explicação a dar. É o resultado da crise mundial. Das imposições de Bruxelas. Do estado em que o governo anterior deixou o país. Dos fascistas, Dos comunistas. De não terem a maioria absoluta. De estarem em coligação. Das alterações climáticas. Tudo assuntos sobre os quais não tinham a mais pequena ideia à data das eleições.

Mas então ficamos sem bússola que nos possa guiar? Nem tanto. Podemos fazer uma leitura ideológica, quer directamente que por análogos (proxies).

Vamos portanto fazer uma análise ideológica (por ordem alfabética). Uso as designações mais correntes. O CDS é o CDS/PP e o PSD é o PPD/PSD.

BE

O BE é o novo miúdo no quarteirão. MAS leia-se o que digo do LIVRE.

Honestamente não gosto de blocos nem de frentes. Só se compreendem para satisfazer grandes desígnios nacionais e felizmente por pouco tempo. A hsitória mostra que rapidamente se destroem ou uma parcela hegemoniza.

Sendo o novo miúdo tem a vantagem de não transportar o peso da história passada. Vantagem para eles e dificuldade para a minha análise.

Na génese do BE estão, sem dúvida, personagens que vêm da área marxista-leninista (versões estalinita, trotskista e maoista, estão lá todas). Todas os dirigentes, passados ou presentes,  e que é possível ligar a alguma ideologia,  vêm dessa área.

Foram pessoas que, no virar do milénio, perceberam que as forças onde militavam só se mantinham vivendo na ilusão de um mundo que não existia. E que não tinham qualquer margem de manobra.

Se fizeram isso com verdadeiro espírito de mudança ou penas buscaram a oportunidade possível, talvez nunca venhamos a saber.

Marxismo-leninisto cujos resultados a nível mundial foram tremendamente catastróficos, sem uma única história de sucesso, e particularmente gravosos em assuntos de que o BE faz bandeira com a tolerância, o ambiente, a liberdade de expressão, a solidariedade social, o fim da corrida de ratos pelo ordenado ao fim do mês. Bandeiras que são também minhas.

Sim, está tudo no manifesto. Mais um.

Felizmente - para a minha avaliação - o BE foi a única força política que apoiou o Syriza. O PCP disse que apoiou mas estava a fazer figas de trás da costas.

Sim isso permitiu desmascarar a Alemanha, país em que aparentemente o BE tinha muita confiança. Sim a dívida era negociável pela Grécia (ou por Portugal) em condições muito vantajosas. A europa e os estados unidos iam ficar em pânico pela aproximação aos enormes recursos dos BRIC. Se não fosse a Alemanha. Hitler de saias.

CDS

Resumo: O CDS é um partido conservador de direita. O mundo estava certo à 100 anos e qualquer coisa que se passou depois, era melhor não se ter passado (ou seja, os nossos avós é que estavam certos).

O CDS tem várias faixas que têm coexistido razoavelmente bem.

Há uma primeira faixa que vem regime anterior a 1974. Todos os políticos que exerciam a sua actividade de forma legal, ou abandonaram a política foram para 2 partidos. A saber: CDS ou o PSD.

Para o CDS vieram os que nunca tinham feito nenhuma crítica aos pilares fundamentais do antigo regime. O outros foram para o PSD (ver PSD). Foi dessa altura que se afirmaram centristas, numa perspectiva de se distanciarem do regime deposto. Aparentemente na altura não havia partidos de direita, desvio que todas as forças sentiram.

Numa segunda faixa estão os monárquicos. Apesar do Salazar ter feito deles gatos-sapato, nunca tiveram coragem de deixar de o apoiar, com a mítica ilusão que o fascismo português poderia, depois da morte do Salazar, instaurar a monarquia, como em Espanha, apesar que nunca terem recebido nenhuma indicação sólida que isso poderia acontecer. Ficam no entanto satisfeitos quando os seus parceiros retiram o 5 de Outubro e faltam à comemoração. Continuam a contenta-se com pouco.

Finalmente há uma terceira faixa dos que não são monárquicos e nasceram depois de 1950. São actualmente maioritários e, ideologicamente, não se diferenciam muito das 2 faixas anteriores, excepto na questão de regime, mas a monarquia não lhes repugna. Por isso coexistem todos bem.

Pensam que a solução para o país está no bucolismo e numa industria dominada por patrões-capitalistas imaginadamente preocupados com os piores aspecto da vida dos pobres - enquanto isso não influir nos seus negócios e estilo de vida. Ao estilo da encíclica "Rerum Novarum" e suas sequelas.

LIVRE et al

O LIVRE é o novo NOVO miúdo no quarteirão. Tudo o resto leia-se o que disse para o BE. Mutatis mutandis.

Marinho e Pinto (partido do)

Imagino que o partido tem um nome, mas não me lembro.

Não é a primeira vez que um partido vive de uma pessoas (lembram-se do PR?). Mas caramba o Ramalho Eanes tinha sido presidente da República 10 anos e o arquitecto do 11 de Novembro. O Marinho foi bastonário 2 ou 3 anos.

MRPP

O MRPP vive numa contradição dialéctica. Linha vermelho ou preta? Saldanha Sanches ou Arnaldo Matos? Mao Zedong ou Deng Xiaoping? Morte aos traidores ou apenas orelhas de burro? Aliança com o PCP ou tomada total do poder? Saída da União Europeia ou da Europa?

PCP

Resumo: O PCP é marxista-leninista e o seu modelo é a URSS. A URSS que vem explicada na "História do PC da US". Mais sobre o ML no capítulo do BE.

Desde que Álvaro Cunhal assumiu a secretaria geral, expulsando os desviaconisas (vários significados) e os pacifistas, que o PC tem uma linha clara e abrangente. Não são conhecidas dissidências graves que não tenham levada à expulsão num rápido intervalo de tempo e mesmo dissidências moderadas conduzem ao ostracismo, mesmo que dentro do partido. Sem perdão. Como resultado não há senão uma faixa.

Até à queda da União Soviética as ideias eram bem claros. Em Moscovo estava a ser construído um homem novo, à imagem do qual todo o mundo, mais cedo ou mais tarde, iria aderir, construindo um mundo de paz, prosperidade, felicidade, liberdade e tolerância. Basta ler um qualquer exemplar do Avante para ver como isso é claro. E, é justo dizer, acreditavam MESMO nisso, bem pelo menos a grande maioria, que não ponho a ideia de que existem alguns para os quais o partido é ou foi o modelo de negócio.

Curiosamente depois do desmembramento regime soviético continuam a pensar exactamente o mesmo. E, não duvido, a acreditar.

Nunca teve qualquer dúvida em apoiar os solavancos da história, de Budapeste (retrospectivamente) a Praga, do Afeganistão a Angola. Da Ucrânia à Síria. Nunca o PCP deixou de apoiar a Rússia e em troca recebeu os recursos que lhe permitiram secar muito terreno à volta. Mesmo quando se tratou de apoiar o Estado de Israel, e depois deixar de apoiar, nunca existiu nenhum desvio de percurso. Tudo muito bem explicado à posteriori.

Essa fé inabalada e inabalável num passado e num futuro míticos dão uma certa paz de espírito e funcionam mesmo como atracção para quem gosta de ter uma solução simples para todos os problemas do mundo e uma explicação, ainda mais simples, para todos os males. Efeito nirvana.

PS

O PS surgiu quando o Mário Soares, no anos 60, se procurou posicionar. Teve a sorte, o saber, ou a intuição, de ver que o PCP tinha secado toda a esquerda (ver PCP) e que o regime vigente em Portugal não tinha futuro, a começar pela sua incapacidade de resolver a questão colonial.

Portanto colocou-se na posição da ala mais esquerda da internacional (socialista). Mais esquerda no sentido que em Portugal se assistiu, na década de 70, a uma compreensível viragem à esquerda de todo o espectro (mesmo o CDS se dizia do centro, ver CDS).

Mas fez isso antes da queda do regime. Não o tivesse feito e outros políticos poderiam ter feito um partido social democrata em Portugal. Por exemplo o PSD (ver PSD). Mas embora a internacional socialista tenha alguma latitude ideológica nunca em nenhum país existiu mais que um partido filiado nessa organização, pelo que me lembro.

Com a chegada ao poder de Reagan e Tatcher o PS teve uma crise na correlação de poder. As forças mais conservadoras acharam que estava na altura de liquidar também a internacional socialista. Juntamente com a URSS. Foram parcialmente bem sucedidas na primeira parte e totalmente na segunda.

O facto de o PS não se poder financiar nas elites, como o faz o PSD e o CDS torna-o mais vulnerável a negociatas, ainda menos claras que as negociatas do PSD e do CDS. E muito mais fáceis de atacar em tribunal.

O PS não tem faixas, mas um contínuo espelhando a internacional. Da social-democracia ao socialismo (penso que tem poucos trabalhistas).

PSD

O PSD foi formado pelos políticos que antes do 25 de Abril, exerciam a sua actividade de forma legal mas tinham alguma oposição de fundo ao regime que estão acabou. Vulgo: "a área liberal".

Não tivessem os capitães saído à rua, a maioria deles teria sido cilindrado pelo regime, ou então ter-se-iam arrependido e sido aceites de volta.

Tendo corrido as coisas como correram existiu uma onda de adesão à social democracia, num Portugal de 70 com uma tendência compreensível de viragem à esquerda. Talvez alguns por oportunismo. Talvez alguns numa convicção genuína.

Essa primeira faixa é hoje residual, se bem que exista. Por um lado porque quem já andava na política nos anos 70 é agora septuagenário.

Mas a principal causa que definhou essa faixa foi o facto do PS ter roubado essa bandeira (ver PS).

Outra faixa é constituída pelos liberais. Os que acham que as famílias e os estados devem seguir uma lógica de boas contas sem gastar mais do que aquilo que têm e que o estado se deve colocar numa posição minimalista, tatcharistas, dizem-se eles. Posição que até pode fazer algum sentido até se perceber que essas boas práticas não se estendem ao sector financeiro da economia que pode usar o dinheiro que não tem. Curiosamente muitas das pessoas  que defendem essas ideias estão ligada ao sector financeiro, deve ser coincidência, e não perdem nenhuma oportunidade para trepar na máquina do estado e sector-estado. Quando não, alimentam-se frequentemente na mesa do orçamento através de uma série de contratos atribuídos de modo realmente liberal - e subsídios.

Mas a terceira, e mais numerosa, faixa no PSD é simplesmente a faixa daqueles que estão a tratar da vida. Fizerem uma leitura da situação e concluíram que, durante a sua esperança de vida, é a melhor posição para uma vida mais próspera.

Alguns elementos dessa faixa vêm de partidos marxistas-leninistas, estalinistas ou maoistas, o que lhes permitiu juntar a inspiração liberal, com o que aprenderam sobre disciplina partidária, a "unidade face ao exterior" e a capacidade de obedecer às ordens, mesmo quando não são dadas.

MAS AFINAL EM QUEM É QUE EU VOU VOTAR?

Para já posso dizer que, salvo algo realmente inesperado, vou votar, mas só digo amanhã para ver se a CNE me manda prender.


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